sexta-feira, 29 de maio de 2020

Um stop no mundo



A gente precisa se libertar, mas nem sempre conseguimos expressar o que tudo isso significa. Todos os sentimentos, misturados, embaralhados, que nos faz perder o rumo da organização sentimental. A gente que ser sair pelas ruas, sentindo o vento batendo no rosto, mas como fazer isso, sem a máscara de proteção e o medo desse vento trazer gotículas minúsculas e terríveis do vírus que fez mais de 7 bilhões de pessoas, dos seis continentes que habitam nosso Planeta Terra? Libertar – nada mais é que torna-se livre, isso é uma das inúmeras definições da palavra Libertar. A gente precisa libertar o medo que se instalou em nossa mente.

Mas o que o medo faz? Faz a gente ter medo de ser contaminado, faz a gente ter medo de contaminar. Medo da escassez dos alimentos, na fome das minorias, retenção de recursos dos mais providos. Medo da quarentena virar uma sessentena, um estender por um ano. Medo de nunca mais poder abraçar quem gostamos, de viajar praquele destino tão sonhado.

Me pego pensando em como anda a Muralha da China, sem aquela multidão de turistas querendo conhecer sua pequena parte que pode ser visitada; na Torre Eiffel, sem pessoas subindo e descendo diariamente para tirar uma selfie do ponto mais alto, ou de casais tirando fotos apaixonados abaixo dela; nas praias caribenhas, desertas e tendo seus peixes exóticos voltando para ao recifes, após serem expulsos pelo turismo em massa. Será que as Lhamas que moram no Peru, estão sentindo falta dos turistas chatos que queriam fotos e mais fotos, com elas todas enfeitadas? As auroras boreais devem estar mais cheias de cores com a diminuição da poluição, as geleiras da Argentina, Alasca, Groelândia e Sibéria devem ter diminuído o ritmo de descongelamento. Até soube que os canais de Veneza estão mais limpos! Que detox maravilhoso o mundo está passando, para quando voltar – estar mais forte para encarar o que estiver para vir!

As ruas andam mais silenciosas e desertas, o que, de fato é bom – muito bom, aliás – dá pra andar sem pressa, observar tudo ao redor, reparar nas construções antes nem notadas, nas arvores nunca vistas com afinco. Dá pra atravessar a rua sem medo de ser atropelada – isso quando, se sai na rua, né?  O céu anda mais limpo, grande capitais, recordistas em poluição e um ar cinzento, hoje desfrutam de tons de azuis, ouso dizer – nunca visto antes – por muitos.

Nos dias atuais, não dá pra bater no peito e falar em alto e bom tom, que tem a garantia constitucional de ir e vir quando quiser. Fronteiras foram fechadas, viagem canceladas. Nossas casas? Hoje são nossas celas – ou paraíso. Hoje a garantia constitucional é ter respeito ao próximo, sair somente quando necessário, encontrar outros meios de entretenimento. Você já parou pra pensar no que essa revolução toda te afeta? No que ela quer te ensinar? Se você, nesse tempo todo não cogitou essa pergunta, talvez esteja vivendo numa bolha irreal sobre o qual é sua missão no mundo. E sobre missão no mundo, cada qual tem a sua – ou acha que tem, mas sabendo que, a vida não é só nascer, crescer, estudar, trabalhar, constituir família, envelhecer e morrer – a vida é muito mais do que isso! A vida é composta pelas pessoas que você conhece e convive ( e o que elas tem para te ensinar e você a aprender, e vice-versa), os livros que você lê, as viagens que você faz, os propósitos que você tem!

Quem não gostava da própria companhia – teve que aprender a gostar. Quem odiava conviver com a família – teve que aprender a conviver. Quem nunca pensou no próximo – começou (prefiro acreditar) a pensar. O mundo virou de ponta cabeça, no início de uma nova década, e muita gente acabou virando junto com ele. Você continua fazendo as mesmas coisas que não gosta para agradar alguém? Você tem procrastinado seu tempo com redes sociais e publicações sem conteúdo, quando poderia estar investindo em você? E quando falo em investimento, não estou falando em moeda monetária – precisamos ter valor, e não preço. Investir em si, é fazer algo para ter uma vida mais leve e significativa. É, olhar para si, e amar o que ver – e se não amar, encontrar uma forma de conquistar o amor próprio. Investir em si mesmo, nada mais é do que ler assuntos que interessam a si, e não aos outros.

Mas como se libertar de tantos sentimentos controversos que surge nesse isolamento? É um isolamento social que te blinda com medo do próximo: não há mais abraços, beijos, proximidade. Com a chegada do vírus, foi-se a confiança. O toque, que raramente era feito com sinceridade, hoje não há mais. O sorriso que antes era visto, hoje uma máscara esconde. Eu sinto falta dos sorrisos, de fazer leitura labial das pessoas. De ver a gritaria das crianças nas praças – e até as birras no chão dos supermercados.

O mundo girou uma chave – que jamais voltará a ser o que era antes. Muito da intimidade que antes tínhamos, não existirá. Só será próximo, quem realmente tiver um grande significado em nossas vidas – não arriscaremos por amizades levianas.

O que essa pausa no mundo nos fez enxergar? Muitas coisas. Eu consigo ver que, a maioria de nós andava num ritmo tão acelerado, sempre pensando no futuro, fazendo mil planejamentos, que estávamos esquecendo de viver o hoje. De parar para ler aquele livro que há tempos estávamos ensaiando para ler, mas sempre com a desculpa que éramos ocupados demais, para desperdiçar o tempo com leitura. Para aprender a fazer algo, que nunca pararíamos para fazer (Muitas pessoas aprenderam a fazer tricô e crochê). Muita gente voltou os olhos para seu interior, para curar as feridas que estavam sendo tão mortais, quanto esse vírus.  E que eu preciso retomar por aqui.




quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Retorno




Ora sumo,
Ora reapareço.
Me perco e me reencontro,
Sem tanto apreço.

Negligenciei leituras,
encontros e sentimentos.
Corri contra o relógio,
e dos momentos.

Vivi
Morri
Chorei
de amores.

Corri
Sofri
Mudei
de humores.

Alcancei o alto da montanha,
Cai do abismo na mesma proporção.
Me encontrei no reencontro,
Me perdi na perdição.

Perguntaram:
E a escrita, como vai?
Respondi:
Não vai, só fica. 

Mas onde?

Fica entalada,
Na garganta,
Na frase incompleta,
Nos pensamentos dispersos,
Controversos.

Mas eu volto.
Sem data, nem dia, nem hora.
Sem alarde,
A qualquer hora. 


Foto: Gabriela Giraldi

quarta-feira, 8 de março de 2017

Olha ela!

Hoje é dia internacional da mulher, e muita gente nem lembra. Mas a questão nem é essa. A questão é bem maior. Todo dia é dia. Toda hora é hora. E ter uma data celebrando é apenas um cisco no meio do oceano. 

Eu conheço muita mulher que arregaça as mangas e vai a luta. Mas conheço muita que lamenta os infortúnios da vida deitada no sofá. Tem aquelas que esperam por uma intervenção divina ou um marido rico, já tem outras que, trabalham duro e fazem acontecer. Tem as sem frescuras, que saem de cara lavada e pijama para irem até a padaria; mas tem as disciplinadas, que não tremem um milimetro do rímel. Mulheres de todos os tipos e todos os amores, segundo grande Martinho da Vila.

Tem gente que fala que mulher decente, é aquela que é submissa. Tem gente que fala, que são as independentes. Tem aquelas que gostam de cabelo curto, tem as adeptas dos fios longos. Loiras, morenas, ruivas. As japonesas que não precisam de depilação constante e as portuguesas que a cada 10 dias estão no salão. Tem mulher que admira tanto mulher, que se apaixona por uma. 

Tem mulher que viaja de tênis e mochila nas costas. Tem outras que viajam de salto e mala de rodas. Tem as consumistas e as desencanadas. As de Ipanema e as da baladas. As cozinheiras e mal amadas. Tem muita mulher que sabe colocar quadro na parede e trocar pneu de carro melhor que muito homem, mas tem muita mulher que ainda precisa de uma mãozinha. 

Mulher, sem dúvidas, chama a atenção por onde passa. Seja porque o cabelo está divino ou desgrenhado, ou porque está bem vestida ou mulambenta, ou porque está rindo escandalosamente (mulher tem risada pra ser escutada - sem dúvidas). Tem as limpinhas e as fedidas. As que não estão nem aí pra nada e as que querem ter o controle de tudo. As loucas por chocolates, as loucas por sapatos, as loucas por roupas, as loucas por livros, as loucas por viagens. E uma coisa é certa: Cada mulher carrega uma loucura consigo.

Extrovertida ou tímida. Submissa ou independente. Loira ou morena. Turista ou viajante. Chefe ou empregada. Solteira ou casada. Infeliz ou realizada. Corredora ou sedentária. A verdade é que toda mulher quer ser respeitada, admirada e amada. Consegue entender?

Cada uma com sua forma peculiar, com seus sonhos secretos, traumas de estimação, decepções quilométricas, querem seguir adiante com suas conquistas.

Feliz dia pra quem é mulher. Feliz dia pra quem é garota. Feliz dia pra quem é menina. Feliz dia pra quem faz acontecer. 




segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

2016: Ano de muitas lições

Verdade seja dita, 2016 chegou com os dois pés e tripudiou muita gente. Eita ano turbulento, hein? Pra mim, foi um belo divisor de águas. Ao mesmo tempo que foi fantástico, foi trágico. E passou voando. Igualzinho um tobogã, onde você começa a descida numa velocidade reduzida e do meio pro fim não há freio que pare. 

No final de 2015, recebi um e-mail do meu chefe, que continha um texto que falava que 2016 seria um ano de fechamento de ciclos, onde mudanças aconteceriam mesmo contra nossa vontade. Se eu fizer uma mera comparação de 2016 com uma luta de MMA, posso afirmar com propriedade que apanhei bonito. Um nocaute atrás do outro, mal tomava folego e vinha um double-leg, mal me levantava e já tomava uma chave de braço. Apesar de toda essa metáfora, o ano foi repleta de mudanças, assim como de grandes conquistas. 

Aprendi que pessoas saem da nossa vida. Seja por culpa dela, ou por culpa nossa, e torna-se necessário lida com essa partida, mesmo com vontade de espernear, gritar com o mundo e incorporar a criança birrenta. E vamos nos sentir só, seja na segunda-feira ou sábado, e não há problema algum em assumir isso para si mesmo. Menos na TPM, quando tudo se torna a gota d'água.

Eu me comparei demais as pessoas, e isso foi bom, assim como também foi péssimo. Era exaustivo tentar acompanhar o pace de quem corria mais do que eu; de estudar que nem uma louca para tentar me igualar ao mesmo nível de conhecimento de fulano; de tentar ser cabeça aberta, quando meu conservadorismo era irremediavelmente limitado. Isso me rendeu terapias infinitas e puxões de orelha doloridos. Se eu parei de me comparar? Talvez sim. Mas de me cobrar, com certeza não. A questão é que cada um tem sua própria desenvoltura, sua inteligência peculiar, sua forma de encarar os contratempos da vida, seu brilho próprio. E na terapia, eu aprendi que eu tenho meu próprio brilho, e que tem muita gente que o brilho não brilha e vem tentando desbrilhar o meu brilho brilhoso. E eu tenho muita sorte (escrevi isso com um ramo de arruda na mão, cercada de pimentas e sal grosso para afastar toda e qualquer intenção invejosa que possa surgir). Mas cada um sabe o que tem que saber, corre o que tem que correr, descola o que tem que descolar e, aceita o que tem que aceitar, no tempo que tiver que esperar.

Eu conheci um dos lugares mais incríveis do Brasil: o Jalapão. Torrei todas as minhas economias finitas por esta viagem, e o melhor: acompanhada de pessoas incríveis, que tornaram a viagem a maior aventura vivida até hoje. REAPRENDI que viajar sempre será uma das melhores formas de refletir sobre a vida e se reconectar com si mesmo.

Corri a UltraMaratona Maresias-Bertioga em equipe e conquistamos o 3º Lugar. Uma proeza que nunca cogitei quando comecei a correr, mas que hoje tem um troféu no aparador da sala, provando que, foi real e de fato aconteceu. APRENDI que cada um tem seus próprios propósitos em um esporte, e quando sintonizamos de uma forma que seja confortável para cada um, podemos conquistar pilares maiores.

Me reaproximei de bons amigos, conheci pessoas fantásticas, e por incrível que pareça, aprendi a ignorar pessoas que não me acrescentavam em absolutamente nada.

O que eu espero de 2017? Mais discernimento nas minhas escolhas e mais leveza para enfrentar as mudanças não planejadas. 





quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Aquela dos 21

"Se por um lado as crises são vistas como momentos perigosos e decisivos, por outro lado são identificadas como oportunidades de crescimento, de transformação para melhor."


Eugênio Mussak -  A vida cheia de curvas




Sempre gostei do número 21. Talvez porque meu aniversário seja no dia 21. Mas eu nunca fui muito de comemorar aniversário, então talvez não tenha muito lógica, ou até tenha e eu que não queira admitir. A idade que mais gostei de viver foi meus 21, talvez porque a faculdade estava acabando, eu andava com um carro zero (meu) sonho de consumo pra cima e pra baixo, ou porque eu já tinha viajado pra alguns lugares bacanas, conhecido pessoas excepcionais, me decepcionado grandiosamente no amor e lido uma dúzia de excelentes livros. Mas essa minha paixão pelo número 21 deve ser de vidas passadas. Olho no relógio?  6h21m/7h21m/16h21m/21h05m. O 21 tá sempre ali, marcando presença em todo lugar.

Quando comecei a correr - sim, lá vem aquele papo xiita "quando eu....", nunca imaginei que chegarei a fazer 21k. O objetivo era 5k correndo ininterruptamente, depois passei para 10k, até que um dia encasquetei que queria fazer 21k. Sim, eu fiz, mas foi num baita sofrimento, num calor de derreter gordura localizada. E depois dessa experiência tenebrosa, eu conclui que, jamais voltaria a fazer essa quilometragem novamente.

Daí uma amiga meia maratonista assumida, me convidou pra Meia Maratona do Lobisomem. Corrida super seleta. Ela me garantiu que, se eu ficasse em último lugar, teria um limpa-trilha (uma pessoa de bicicleta monitorando se ninguém ficou pra trás) atrás de mim. E eu rezei fervorosamente para que o limpa-trilha nem de longe fosse como o Léo. E ela deixou em aberto que, se eu não aguentasse, eu poderia desistir da prova a qualquer momento, pois nos pontos de apoio teriam resgates. Me senti mais confortável com isso. Não haveria pressão.

Foi difícil levantar às 5 da matina em pleno feriado, depois de dois dias hibernando ao som da chuva. O vento era gélido, mas eu queria ter a certeza de que os 21k não era pra mim. Ou minha primeira experiência foi desastrosa ou definitivamente eu não era longuista nem velocista,  e sim uma fingista de primeira mesmo.

Nos reunimos para tirar a foto do grupo e a contagem regressiva foi coletiva. Tinha gente de todas as idades, todos os biotipos, de todos os objetivos. Desejei boa prova pra Vivi, e ela pra mim. Foi dada a largada e eu estava estranhamente calma. Talvez por todo o conforto que recebi: pontos de hidratação a cada 3k, opção de abandonar a prova a partir do quilometro 9, a paisagem maravilhosa ao meu redor. Segui o fluxo. A Vivi? Sumiu de vista. A galera foi dispersando, e eu fui contando os passos, ganhando brigas internas, lavando roupas sujas, me livrando de velhas mágoas, me superando a cada quilometro concluído.

Quando dei por mim estava no quilometro 12 e ainda tinha fôlego e força pra seguir em frente. Fui avante, um passo de cada vez, mais leve do que o início da corrida. E veio a ladeira de 2,5k pra me dar o baque final. Ali foi o momento que a criança chorou desesperadamente e a mãe não viu. Foi ali que me despi das minhas bagagens emocionais mais antigas, eu precisava enfrentar a ladeira sem os pesos que me limitavam. Perdoei tanta gente naquela ladeira, me perdoei por tantas coisas, que quando cheguei no final dela estava sem força e oca, e aquele penúltimo ponto de hidratação foi a luz no fim do meu túnel. Me sentia leve, mas estupidamente esgotada. A ladeira foi uma limpeza tão brusca ao meu psicológico que, afetou diretamente meu físico. Era o quilometro 17 e eu pensei em desistir, parar por ali mesmo. Já tinha me superado de muitas maneiras. Estava super orgulhosa do resultado. Mas no fundo eu queria continuar, e fui avisada que daquele ponto em diante era só descida, ou seja, libertação.

E continuei. Contei até 100 com o pé direito. Até 100 com o pé esquerdo. 100 nomes com a letra A. E depois com a letra B, depois com a letra C. Passei em frente ao sítio de um grande amigo, anotei na minha agenda mental de ligar para eles, para saber se estão bem (ele e esposa). A esperança me acometeu e eu sabia que estava chegando ao fim. Apertei o passo e alcancei um senhor que estava há cerca de 1 quilometro na minha frente. Ele queria andar, e eu falei que faltava pouco e que terminaríamos juntos. Era a primeira vez que ele fazia 21k. Olha eu sendo solidária na reta final, retribuindo a solidariedade de tantas pessoas que já passaram por mim em corridas que eu não aguentava mais dar um passo, e me confortaram com palavras de incentivo.

Terminei a prova abaixo do tempo esperado. Mas terminei. A Vivi estava toda orgulhosa do meu desempenho. Eu estava exausta, mas levemente feliz,  descobri que o numero 21 sempre estará entrelaçado na minha vida. Seja na data do aniversário, ou nas horas vistas, ou na quilometragem corrida. O 21 faz parte de mim e eu dele e essa aceitação já basta.

Sim, estou completamente apaixonada pelos 21k. Sei que a próxima vez será menos sofrida e assim por diante. E eu estou muito feliz de ter me libertado de velhas amarras enquanto percorria um percurso maravilhosamente lindo que me energizava a cada passada.

Um viva aos 21. De todos os âmbitos. Que transformam a minha vida, me transmutam de tal forma, que eu só consigo agradecer!



terça-feira, 11 de outubro de 2016

Esperando

"Alguns cachorros querem ser livres para vagar, pois não tem alguém que os ame."

Bruce W. Cameron - 4 vidas de um cachorro



Uma hora sentada esperando o Charlie sair do banho. Pensei: Os dreads devem estar dando um trabalho danado pra Tia Aninha. Enquanto isso, leio todos os emails. Consigo fazer uma faxina no meu celular. Me atualizo no Instagram e no Facebook. Faço o pagamento de 3 contas pelo aplicativo do Banco no celular (que facilidade, gente!). Converso com a moça ao lado, que está com o rosto inchado de tanto chorar, porque o Paçoca (salsichinha) está doente e ela não consegue imaginar uma vida sem ele por perto. O veterinária a chama, e continuo eu, na sala de espera. 

Chega um cowboy e começa a tirar selfie, com as fotos de vários cachorros que tem na parede. Faz caras e bocas, e eu seguro a risada. Daí eu começo a tossir, num impeto de dar uma risada enrustida à tal episódio. Daí ele conversa com a recepcionista e vai embora. O telefone toca, a recepcionista atende e começa a elevar o tom da voz. Ela trata mal mesmo a mulher (sim, ela repetiu o nome umas 5 vezes da mulher do outro lado da linha). Fico indignada, essa guria deve estar infeliz com o salário ou porque o chefe esqueceu que ontem foi o dia da secretária. Vai saber.

Daí um maltês mau humorado sai do banho. Não é o meu. O Charlie não é de todo mau humorado, mas tenho orgulho dele ser um cachorro de poucos amigos. Chega uma maltesa toda desgrenhada, dou um suspiro alto aliviada - o Charlie não é o único em ter cabelos rebeldes. Passa um tempo chega um gordo com seu cachorro gordo. E na recepção tem uma balança com os seguintes dizeres: "Balança apenas para uso animal". O gordo vai lá e sobe na balança, ela dispara e pára nos 123,5 kg. Talvez ele seja uma anta e eu que não sabia. 

Minha barriga ronca e lembro que só tomei um copo de suco pela manhã. Olho para a ala "spa" e nada do Charlie aparecer. Levanto, bebo um copo de água, vou até a calçada ver o movimento da rua, mas resolvo voltar para dentro do pet shop porque o vento tá gelado, e de repente, a porta se abre e vejo meu branquelo vindo, tipo "Transformação" da Xuxa, livre de nós, com os fios alinhados, barba aparada e cheiroso. E ele abre o maior sorrisão quando me vê, do tipo: "Olha mamãe, eu estou lindo!". Todo orgulhoso do belo trabalho que a tia Aninha acabou de fazer. E eu fico toda boba, só pensando: Coisa linda da mamãe, e esquecendo de tudo o que ocorreu nos sessenta minutos que se passaram. 


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Vontade Inoportuna

" Sempre gostei da palavra "resiliente", que é a capacidade de enfrentar as dificuldades sem sucumbir a elas."

John Boyne - Noah foge de Casa




Eu nunca tive vontade de chorar. Já tive vontade de gritar, de comer comida japa, de viajar, de dar uma voadora, de comprar todos os livros do mundo, estourar o limite do meu cartão de crédito com roupa, de almoçar pizza. Mas de chorar, até ontem, eu não tinha. E quando bateu a vontade de chorar com aquele e-mail, eu fiquei com vontade de ir pra casa, comer brigadeiro, bolinho de chuva, assistir Harry Potter (a maratona mesmo - pela milésima vez) e chorar. Mas eu engoli o choro e a vontade aumentou. E eu não podia chorar, não na frente de tanta gente, não com o dia pela metade, não em plena quinta-feira. 

Chorar sempre foi algo insperado. Quando via, já estava chorando. Mas logo passava. O choro de raiva é passageiro, o de alegria também. Mas chorar de tristeza é terrível, torturador, massante. Dá até raiva, dai o choro passa para o nível 02. Daí você já vai para o nível 03 com raiva dos olhos de sapo que ficará, do questionamento ininterrupto que as pessoas farão, do dinheiro que você definitivamente não tem pra ir chorar em Paris, e da coragem que você também nem ousa ter, em chorar sem culpa, sem preconceito, sem pudor, sem cerimônias. 

E eu sinto uma inveja danada dessas crianças que choram sem vergonha onde quer que estejam. Eu sempre tive vergonha de chorar. Mas nem por isso deixei de chorar. Mas hoje eu estou com uma vergonha absurda de sentir vontade de chorar. Porque eu lembro que, quando criança e eu vinha com manha de querer chorar, a minha mãe fazia questão que eu chorasse com vontade (com uma bela chinelada na bunda, é claro!), mas esse, impreterivelmente, não era o caso. E nem tinha como fugir correndo dessa vontade abstrata, já que da minha mãe com o chinelo eu conseguia fugir (e olha que minha mãe, involuntariamente, me incentivou a correr deste pequena > correr da surra<).

Daí tranquei essa vontade rebelde no armário debaixo da escada lá no meu íntimo. E fingi que não estava escutando toda a baderna que essa cretina estava fazendo dentro de mim. Ô bichinha rebelde e sem educação! Mas ignorei ela o restante da tarde.

No intuito de acalmá-la, fui correr. Pra ver se ela finalmente ia embora. E não é que ela me enganou direitinho? Eu já estava feliz da vida, achando que ela tinha ido e eu tinha vencido. Fui ver a Belinha (que por sinal me amou) e depois voltei pra casa como se nada tivesse acontecido. 

Ao me deitar, a bendita vontade chegou com tudo. A única coisa que pude fazer naquele momento foi me render, deixar ela fazer o que queria, sem lutar bravamente, na esperança de que o novo dia fosse mais tranquilo e sereno, e sem ela me rondando feito um detetive. 

Não era falta de coragem. Era falta de luto, de compaixão, de solidariedade comigo mesma. Era a negação interna de que tudo era apenas um grande pesadelo. Era um excesso de resiliência que até eu mesma desconhecia. 

Ao acordar, abracei a realidade como uma velha amiga e a vontade inoportuna se foi (por ora).